terça-feira, 4 de março de 2014

Afinal, o que faz um lexicógrafo?

Acho que um bom começo para entender o que faz um lexicógrafo é, justamente, procurar a definição da palavra no dicionário:
No Aulete:

(le.xi..gra.fo) 
sm.
1. Lex. Ling. Aquele que pratica a lexicografia; DICIONARISTA
[F.: Do gr. leksikográphos. Hom./Par.: lexicografo (fl. de lexicografar).]


Confesso que não acho muito esclarecedor o que possa significar “praticar a lexicografia”, quem sabe olhamos no Houaiss?
A mesma coisa... Isso acontece porque, muitas vezes, as definições de um dicionário são copiadas de outros. Pois é. O corpus de um dicionário pode incluir outros dicionários já publicados.
Quando a definição não é muito esclarecedora, o jeito é procurar na palavra base, a palavra da qual aquela que você procura foi retirada: no nosso caso, é “lexicografia”:

(le.xi.co.gra.fi.a) 
sf.
1. Lex. Ling. A técnica de elaboração de dicionários.
2. O trabalho de compilação de vocabulários, definições etc.
3. A análise e conceituação teórica desse trabalho.
4. Estudo científico dos critérios envolvidos no trabalho de elaboração de dicionários.
[F.: léxic(o) + -grafia.]

Bem, agora já temos mais informações: um lexicógrafo, então, elabora e compila definições para palavras e termos, analisa e conceitualiza o trabalho de lexicografia e estuda os critérios envolvidos na elaboração de dicionários.
Mas… um lexicógrafo inventa palavras?
Pode acontecer, como nos conta Hélio Schwartsman neste delicioso artigo da Folha de São Paulo, já meio antigo, mas ainda muito atual.
Leiam o que ele diz sobre lexicógrafos que inventam palavras:

Em 1599, um holandês conhecido apenas como A.M. resolveu traduzir do latim para o inglês um importante trabalho médico de Oswald Gabelknouer, intitulado "O Livro da Física". Ocorre que o prestativo A.M. já havia há muito abandonado a Inglaterra e, por isso, esquecera quase todo o seu inglês. Isso não o intimidou e ele simplesmente colocou terminações inglesas nas palavras latinas. Alguns de seus amigos na Inglaterra o advertiram de que nenhum inglês teria a menor idéia do que estaria lendo. Novamente, o bravo A.M. não se intimidou e fez uma lista de seus barbarismos, traduziu-os por um sinônimo inglês simples. Alguns exemplos: "Frigifye, reade (leia-se) coole (resfriar); Calefye, reade heat (esquentar); Circumligate, reade binde (ligar)". Robert Cawdrey, autor de um importante dicionário inglês, usou a errata de A.M. como fonte e assim esses barbarismos acabaram entrando no léxico de Albion.
Um outro inglês, Henry Coockerram, foi ainda mais longe. Despudoramente inventou algumas palavras de que aparentemente gostava mas que nunca lera em texto nenhum. Incluiu em seu dicionário termos como: "adpugne", "adstupiate", "bulbitate", "catillate", "fraxate", "nixious", que chegaram a ter alguma existência na língua. Como o sr. Noah Webster teve a excelente idéia de retirar essas coisas de sua obra, não posso lhe contar o que significam.

Nos dias de hoje, porém, com o poder de pesquisa que a internet proporciona, é impensável que um lexicógrafo possa inventar palavras ou termos. Um lexicógrafo é um observador da língua, geral ou setorial, quase como um astrônomo que observa as estrelas no firmamento e registra a existência e a localização delas, ou ainda a primeira vez que uma determinada estrela foi observada, por exemplo.
Assim acontece com as palavras ou termos: o lexicógrafo nada mais é do que um observador, um registrador e um explicador de palavras, jamais um inventor.
Neste trabalho, a autora lista uma série de comportamentos dos dicionaristas que resultam em ações no seu fazer lexicográfico, comportamentos estes que são representados, na maioria das vezes, pelas palavras observar e registrar.
O bom lexicógrafo, portanto, jamais cairá na tentação de criar termos ou palavras, por mais que essa “brincadeira” possa lhe parecer tentadora.

Para concluir, uma entrevista com Peter Sokolowski, lexicógrafo que trabalha na Merriam-Webster Company, que conta um pouco sobre o seu trabalho (em inglês).







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