quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A bula


Caro leitor, vamos fazer um exercício de imaginação juntos?
Topou? Então, tá.
Imagine que você está com um problema de saúde, leve ou grave, tanto faz.
Imagine que você vai ao médico e ele te receita um medicamento, e depois vai à farmácia, compra o remédio (que não sai barato) e o leva para casa.
Chegando lá, vai tomar o remédio. Olha para a receita, mas ai, a letra do médico é indecifrável. Você precisa saber quando tomar o remédio, como tomar o remédio. Não lembra direito do que o médico falou, era muita informação ao mesmo tempo.
Então, ideia luminosa, lembra da bula. Ah, na bula deve ter tudo explicadinho: como uma pessoa que tem o seu problema de saúde deve tomar o remédio, de quanto em quanto tempo, o que esperar em termos de melhora, quais podem ser os efeitos colaterais e as reações adversas.
Pega a bula. O remédio e o copo d’água ali, esperando que você descubra se pode mesmo tomar o medicamento de estômago vazio, se não tem alergia a algum componente da fórmula e quanto tempo ele demora a começar a agir, entre outras coisas.
E então, caro leitor, você começa a ler a bula. A informação está toda lá, você sabe disso. Só que em vez de estar organizada, separada por itens para que você entenda melhor cada tópico, para que não tenha que ler o que não interessa, para que não perca tempo lendo o que não é pertinente ao seu caso, tudo é uma confusão só.
A posologia para adultos está misturada com a posologia para crianças, as reações adversas estão misturadas com os efeitos colaterais. A composição embaralhada com a forma de apresentação do medicamento, que ora se refere a drágeas e ora a comprimidos, que fala de spray como se fosse de aerossol, que confunde as precauções com as indicações.
Está tudo lá, mas agora você já está meio inseguro se esse remédio se aplica mesmo ao seu caso, se você deve tomar uma ou cinco drágeas (será que drágea é mesmo igual a comprimido?), se o remédio vai te curar ou te deixar mais doente. Mas o seu problema de saúde continua e você vai ter que ler a bula toda, com muito cuidado, até entender como fazer.
Sentiu o drama, caro leitor?
Agora vamos olhar para outra coisa, mas com a ideia da bula em mente.
Para o que vamos olhar? Para um dicionário. Isso mesmo, para um dicionário. E o que tem a ver uma coisa com a outra?
Quando você lê um texto ou tem que elaborar um, tem que trabalhar dentro de um determinado contexto, certo? O contexto é você, o seu corpo.
Quando encontra alguma palavra que não conhece ou tem que escrever uma palavra, você tem um problema, não é? Enquanto não resolver esse problema, não vai poder seguir adiante. Essa é a sua doença, o seu problema de saúde. Enquanto não descobrir o significado daquela palavra ou como usá-la, não pode prosseguir com o seu texto. Precisa resolver a questão. E é aí que entra o medicamento: o dicionário.
A solução está lá, você aposta nisso. Quando descobrir o que é exatamente e como usar aquela palavra, seu problema vai estar resolvido e você vai poder continuar a trabalhar no seu texto.
Aí você pega o dicionário e abre, na letra da inicial da palavra que está procurando. Mas, opa, está difícil achar a informação que quer. Você queria saber o registro daquela palavra? Ou um sinônimo? Ou será que era um exemplo de uso, ou então a regência? Ou a definição mesmo, a acepção ou acepções daquela palavra. E que tipo de palavra é? É um substantivo, um adjetivo? E a que campo do conhecimento humano pertence?
Você sabe que as informações estão lá. Afinal, é um dicionário, não é?
A esta altura, caro leitor, você já entendeu que a bula, que serve para que você entenda clara e rapidamente o que precisa saber sobre o medicamento, corresponde à maneira como o dicionário é construído, como ele se apresenta, como as informações sobre as palavras estão organizadas e apresentadas.
Em resumo, as escolhas lexicográficas que foram adotadas na elaboração daquele dicionário (que inclui a apresentação e os anexos) vão determinar o grau e a qualidade de informação que você vai obter a respeito daquela palavra e, consequentemente usá-la da maneira correta, da mesma maneira que a bula vai orientar como e quando tomar o remédio, se aquele é o remédio certo e o que pode ou não fazer enquanto está tomando a medicação.
No próximo post eu vou começar a comentar as características de uma boa bula, ops, de um bom dicionário.






segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Dos trabalhos lexicográficos


“Só quem tiver cometido um crime que não possa ser expiado por um castigo normal, deve ser condenado a trabalhos lexicográficos.” Giuseppe Giusto Scaligero

Desenho de Apel·les Mestres i Oñós

sábado, 19 de janeiro de 2013

Caçador de palavras

Por obrigações do ofício, Aurélio nunca se dava por satisfeito com as acepções dos seus verbetes. Para explicar o que era um dicionarista, por exemplo, por escrito, ele era curto: "Autor de dicionário, lexicógrafo". Mas, no meio de uma conversa, podia se esbaldar à vontade: "O ideal de todo lexicógrafo é ser um ficcionista, afinal, o que é criar a acepção de uma palavra, senão desandar pelo domínio da ficção?"

Fonte:  http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=26019

Lexicografomania não existe.



É uma palavra inventada para designar o vício, a paixão pelos dicionários, pelas palavras e pelo fazer lexicográfico.
Aqui vamos falar sobre como fazer um dicionário, o que é que um bom dicionário tem e como trabalham os lexicógrafos.
Seja bem-vindo!


Do nome e do vício


lexicografia Datação: Referência bibliográfica da fonte de datação 1858 cf. MS6Ortoépia: cs
Cada um dos sentidos de uma palavra
n substantivo feminino
Rubrica: lexicologia, lingüística.
1    técnica de feitura de dicionários
2    Derivação: por metonímia.
     o trabalho de elaboração de dicionários, vocabulários e afins
3    análise teórica desse trabalho
4    estudo científico e analítico das técnicas de elaboração dos dicionários (p.ex., sobre os princípios de seleção do vocabulário, de classificação dos vocábulos, de definição e descrição dos significados etc.)

mania Datação: Referência bibliográfica da fonte de datação 1521-1558 cf. MirOp
Cada um dos sentidos de uma palavra
n substantivo feminino
1    hábito extravagante; prática repetitiva; costume esquisito, peculiar; excentricidade
Ex.: m. de deitar-se sempre do lado direito
2    gosto ou preocupação excessiva (por ou com algo)
Ex.: m. de esportes
2.1    Regionalismo: Brasil. Uso: informal.
     fixação repetida
Ex.: <tenho m. de chamá-lo pelo nome do irmão> <m. de segurança>
3    alvo desse gosto ou fixação
Ex.: colecionar figurinhas deixou de ser m. entre adolescentes
4    costume nocivo, prejudicial; vício
Ex.: pegou a m. de mentir
5    Rubrica: psicopatologia.
     quadro mórbido caracterizado por um humor alegre e otimista desmotivado, acompanhado de sentimentos de bem-estar físico ilimitado, de uma superestima e uma necessidade de atividade globalmente aumentadas, freq. gerando comportamentos incontrolados e desinibidos, aumento de excitabilidade e de irritabilidade, agitação psicomotora
     Obs.: cf. depressão
6    Rubrica: psicopatologia. Diacronismo: obsoleto.
     termo geral us. para a alienação mental (p.ex., monomania) devido à excitação
7    Rubrica: psicopatologia. Diacronismo: obsoleto.
     impulso incontrolável para executar determinada ação; tendência a aferrar-se a uma idéia; monomania
8    Rubrica: psicopatologia. Diacronismo: antigo.
     todo e qualquer estado de excitação psíquica