E nem a charge irônica sobre lexicógrafos escapa do sexismo: um homem?
"Fazer dicionários é como caçar borboletas. As palavras voam, é preciso caçá-las no ar". Aurélio Buarque de Holanda
sábado, 11 de janeiro de 2014
quinta-feira, 9 de janeiro de 2014
O homem e a mulher são iguais? Não no dicionário.
Neste post do El País, o DRAE, Diccionario
de la Real Academia Española, é criticado pelo sexismo apresentado nas
definições e exemplos em alguns de seus verbetes. Palavras como huérfano, hombre, mujer, madre, padre, edén são listadas
como apresentando características sexistas, especialmente na definição.
É importante, porém, não confundir o
registro de palavras de uma língua sexista reproduzido em um dicionário com a
apresentação sexista de verbetes no dicionário.
Exemplos de sexismo na língua portuguesa
não faltam, desde os mais óbvios e concretos, como cão/cadela, touro/vaca, a
outros menos concretos e menos conspícuos como aventureiro/aventureira,
tiozinho/tiazinha, nos quais o substantivo na forma feminina remete sempre a um
significado sexual negativo.
Comparei alguns dos verbetes citados como
sendo sexistas no DRAE com o dicionário AULETE tentando observar um possível
sexismo, e hoje mostro a vocês dois verbetes bem comuns e importantes: homem e
mulher.
Os resultados:
Comparando
a primeira acepção de homem e mulher, já notamos imediatamente que há
especificação do sexo no verbete mulher e não há a mesma especificação no de
homem.
A
acepção 2 de mulher parece ser uma tentativa de amenizar a acepção 2 de homem,
especialmente pelo exemplo. Acho desnecessário ressaltar a mulher como parcela
da humanidade, já que, nesse caso, o sexismo é da língua portuguesa, como ocorre
em muitos idiomas.
Vamos
comparar agora a acepção 3 dos dois verbetes, quase equilibrada, não fosse a inclusão
do sinônimo “varão” para homem e a ausência de sinônimos para mulher.
Já a
quarta acepção do verbete mulher é claramente sexista: a acepção com o
significado de passagem à fase adulta pela perda
da virgindade (que poderia ter sido
colocada em termos de “que teve a primeira relação sexual”), no de homem não há
nenhuma indicação correspondente de chegada à fase adulta pela realização das
mesmas condições. O exemplo também é triste: “ele disse que queria me fazer
mulher” parece conceder ao homem todo o poder de decisão sobre o corpo da mulher,
como se ela não pudesse decidir, por si só, “tornar-se mulher”.
A
acepção 5 do verbete mulher parece inútil, já que não assinala o que
provavelmente teve intenção: de que ao ter a primeira menstruação, a menina se
torna mulher, isto é, capaz de procriar. A indicação de entrada na puberdade é
muito vaga, e o que se costuma pensar é que ao entrar na puberdade, a menina se torna
adolescente, não mulher. Construída como está, essa acepção entra em conflito com
a acepção número 4: afinal, uma pessoa do sexo feminino se torna mulher ao
entrar na puberdade ou ao “perder a virgindade”?
Bem,
mas não deveria, então, haver alguma menção no verbete homem de quando o
menino se torna fisicamente um homem?
Comparando
as acepções 7 de mulher e 5 de homem, vemos que as características do “comportamento,
juízo e qualidades próprios de mulher madura” (quais são, você sabe? Por que o dicionário
não menciona?) se repetem quase iguais na acepção 5 de homem, mas neste último com a
inclusão do substantivo “pensar”. Por que a distinção?
A
acepção 8 de mulher e a acepção 6 de homem são quase idênticas, com exceção da
introdução da característica de vigor sexual do homem. Eu me pergunto se é
necessária essa inclusão, já que ela não consta no verbete mulher. Mulher não
pode ter vigor sexual?
A
acepção 7 de homem parece um pouco a repetição da acepção 6, mas já que está
lá, por que não há também no verbete mulher?
Passo
pelas acepções 8, 9, 10 e 11 de homem e 10, 11 e 12 de mulher e me detenho na
acepção 12 de homem e 9 de mulher: o homem é esposo ou amante e a mulher é a
esposa ou companheira: sim, porque o uso consagra mulher como cônjuge, não como
amante, por isso a divergência na acepção. Mas por que é preciso dizer que a
mulher é a esposa ou companheira de um
homem, mas o homem é só o esposo ou o amante (de quem)?
Convido vocês, leitor@s, a refletirem sobre esses dois verbetes do dicionário e sobre as implicações que a elaboração heterogênea dos verbetes pode acarretar.
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